Entretenimento

1 15/01/2018 21:40

A Folha de São Paulo publicou neste domingo (14/01) um artigo do jornalista William Waack no qual, pela primeira vez, ele comenta o episódio que resultou na rescisão de seu contrato com a Globo. Além de enfatizar que não é racista, ele critica a “covardia” da “mídia tradicional” diante de “grupos organizados no interior das redes sociais”.

Para quem não se lembra, em 8 de novembro, há pouco mais de dois meses, vazou um vídeo, gravado um ano antes, no qual Waack, em Washington, reclama do barulho de uma buzina na rua e diz: “Tá buzinando por quê, seu merda do cacete? Não vou nem falar, porque eu sei quem é… é preto. Coisa de preto!”

Waack assegura que o seu comentário foi “uma piada idiota”, um “gracejo circunstanciado, ainda que infeliz”, mas não configura uma manifestação racista. “Sim, existe racismo no Brasil, ao contrário do que alguns pretendem”, observa, antes de assegurar que está do outro lado desta questão: “Durante toda a minha vida, combati intolerância de qualquer tipo – racial, inclusive –, e minha vida profissional e pessoal é prova disso”.

O argumento principal do artigo é que o episódio que o envolveu seria sintoma de algo maior – uma batalha entre grandes empresas de comunicação, como a Globo, que ele chama de “mídia tradicional”, e “grupos organizados no interior das redes sociais”.

O objetivo destes grupos, segundo Waack, é “contestar o papel até então inquestionável dos grupos de comunicação: guardiães dos ‘fatos objetivos’, da ‘verdade dos fatos’. Na verdade, é a credibilidade desses guardiães que está sob crescente suspeita”, escreve.

Na visão do jornalista, que trabalhou por 21 anos na Globo, “entender esse fenômeno parece estar além da capacidade de empresas da dita ‘mídia tradicional’”, anota. “Julgam que ceder à gritaria dos grupos organizados ajuda a proteger a própria imagem institucional, ignorando que obtêm o resultado inverso (o interesse comercial inerente a essa preocupação me parece legítimo)”.

E, no ponto mais crítico, observa: “Por falta de visão estratégica ou covardia, ou ambas, tornam-se reféns das redes mobilizadas, parte delas alinhada com o que ‘donos’ de outras agendas políticas definem como ‘correto’.”

O leitor pode ser levado a concluir que o jornalista, em última instância, se considera vítima desta “covardia” e/ou “falta de visão estratégica” da Globo, que teria cedido à “gritaria” de grupos alinhados à defesa do “politicamente correto”.

A Globo suspendeu Waack no mesmo dia que veio a público o vídeo, em 8 de novembro, e observou, em nota, naquela ocasião, que o jornalista havia feito “comentários, ao que tudo indica, de cunho racista”. O texto divulgado pela emissora observava: “Waack afirma não se lembrar do que disse, já que o áudio não tem clareza, mas pede sinceras desculpas àqueles que se sentiram ultrajados pela situação”.

Em 22 de dezembro, ao comunicar a rescisão do contrato com Waack, o diretor de jornalismo da Globo, Ali Kamel, observou: “A TV Globo e o jornalista decidiram que o melhor caminho a seguir é o encerramento consensual do contrato de prestação de serviços que mantinham”. E acrescentou: “A TV Globo reafirma seu repúdio ao racismo em todas as suas formas e manifestações. E reitera a excelência profissional de Waack e a imensa contribuição dele ao jornalismo da TV Globo e ao brasileiro. E a ele agradece os anos de colaboração.”

Confira o artigo na íntegra

Não sou racista, minha obra prova
Por WILLIAM WAACK

Se os rapazes que roubaram a imagem da Globo e a vazaram na internet tivessem me abordado, naquela noite de 8 de novembro de 2016, eu teria dito a eles a mesma coisa que direi agora: “Aquilo foi uma piada —idiota, como disse meu amigo Gil Moura—, sem a menor intenção racista, dita em tom de brincadeira, num momento particular. Desculpem-me pela ofensa; não era minha intenção ofender qualquer pessoa, e aqui estendo sinceramente minha mão.”

Sim, existe racismo no Brasil, ao contrário do que alguns pretendem. Sim, em razão da cor da pele, pessoas sofrem discriminações, têm menos oportunidades, são maltratadas e têm de suportar humilhações e perseguições.

Durante toda a minha vida, combati intolerância de qualquer tipo —racial, inclusive—, e minha vida profissional e pessoal é prova eloquente disso. Autorizado por ela, faço aqui uso das palavras da jornalista Glória Maria, que foi bastante perseguida por intolerantes em redes sociais por ter dito em público: “Convivi com o William a vida inteira, e ele não é racista. Aquilo foi piada de português.”

Não digo quais são meus amigos negros, pois não separo amigos segundo a cor da pele. Assim como não vou dizer quais são meus amigos judeus, ou católicos, ou muçulmanos. Igualmente não os distingo segundo a religião —ou pelo que dizem sobre política.

O episódio que me envolve é a expressão de um fenômeno mais abrangente. Em todo o mundo, na era da revolução digital, as empresas da chamada “mídia tradicional” são permanentemente desafiadas por grupos organizados no interior das redes sociais.

Estes se mobilizam para contestar o papel até então inquestionável dos grupos de comunicação: guardiães dos “fatos objetivos”, da “verdade dos fatos” (a expressão vem do termo em inglês “gatekeepers”). Na verdade, é a credibilidade desses guardiães que está sob crescente suspeita.

Entender esse fenômeno parece estar além da capacidade de empresas da dita “mídia tradicional”. Julgam que ceder à gritaria dos grupos organizados ajuda a proteger a própria imagem institucional, ignorando que obtêm o resultado inverso (o interesse comercial inerente a essa preocupação me parece legítimo).

Por falta de visão estratégica ou covardia, ou ambas, tornam-se reféns das redes mobilizadas, parte delas alinhada com o que “donos” de outras agendas políticas definem como “correto”.

Perversamente, acabam contribuindo para a consolidação da percepção de que atores importantes da “mídia tradicional” se tornaram perpetuadores da miséria e da ignorância no país, pois, assim, obteriam vantagens empresariais.

Abraçados a seu deplorável equívoco, esquecem ainda que a imensa maioria dos brasileiros está cansada do radicalismo obtuso e primitivo que hoje é característica inegável do ambiente virtual.

Por ter vivido e trabalhado durante 21 anos fora do Brasil, gosto de afirmar que não conheço outro povo tão irreverente e brincalhão como o brasileiro. É essa parte do nosso caráter nacional que os canalhas do linchamento —nas palavras, nesta Folha, do filósofo Luiz Felipe Pondé— querem nos tirar.

Prostrar-se diante deles significa não só desperdiçar uma oportunidade de elevar o nível de educação política e do debate, mas, pior ainda, contribui para exacerbar o clima de intolerância e cerceamento às liberdades –nas palavras, a quem tanto agradeço, da ministra Cármen Lúcia, em aula na PUC de Belo Horizonte, ao se referir ao episódio.

Aproveito para agradecer o imenso apoio que recebi de muitas pessoas que, mesmo bravas com a piada que fiz, entenderam que disso apenas se tratava, não de uma manifestação racista.

Admito, sim, que piadas podem ser a manifestação irrefletida de um histórico de discriminação e exclusão. Mas constitui um erro grave tomar um gracejo circunstanciado, ainda que infeliz, como expressão de um pensamento.

Até porque não se poderia tomar um pensamento verdadeiramente racista como uma piada.

Termino com um saber consagrado: um homem se conhece por sua obra, assim como se conhece a árvore por seu fruto. Tenho 48 anos de profissão. Não haverá gritaria organizada e oportunismo covarde capazes de mudar essa história: não sou racista. Tenho como prova a minha obra, os meus frutos. Eles são a minha verdade e a verdade do que produzi até aqui.

WILLIAM WAACK, 65, é jornalista profissional desde os 17; trabalhou em algumas das principais redações do país e foi correspondente internacional por 21 anos na Europa e Estados Unidos.

Correio
Foto: reprodução







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